Se a minha lista de filmes a assistir falasse
Existe um local onde os filmes que quero assistir entram para nunca mais sair, uma espécie de Caverna do Dragão cinematográfica. Só que o que deveria ser um porto seguro para não perder tempo rolando timelines infinitas, se torna um daqueles monstros gelatinosos dos filmes do século passado que vão engolindo tudo pelo caminho e crescendo até se tornarem seres incontroláveis.
É na seção minha lista dos serviços de streaming que eu coloco produções que parecem razoavelmente interessantes numa quarentena onde quase nada consegue ver a luz dos meus olhos.
Se a minha lista de filmes a assistir falasse, ela pediria mais justiça. Ela diria que clássicos são clássicos não é à toa e que velho é o mundo. Vivemos num estado de urgência tão insano, que uma produção lançada no mês passado já é velha demais para ser lembrada.
Nunca parece a hora certa para ver o vencedor do Oscar de 1971, ou aquele filme cinco estrelas de 1932 que o mundo inteiro já assistiu, menos você. Doi menos fingir que você já o viu, dar respostas vagas ou desconversar do que sentar no sofá ou deitar na cama com o celular encostado entre os travesseiros para, finalmente, corrigir uma suposta falha de caráter.
“Como assim você nunca assistiu Cidadão Kane?”
“O Poderoso Chefão é o melhor filme de todos os tempos. Ah para, todo mundo já assistiu. Você tá brincando… não é?”
Se a minha de filmes a assistir falasse, ela diria que preferia não ter nem nascido. Para que viver uma vida sem propósito? Ela diria que o pior sentimento que alguém pode possuir é o de inadequação, aquele aperto vazio que surge no peito quando ela acorda para mais um dia achando que não serve para nada.
Tem dias que acordo animado e começo a fazer uma limpa. Removo filmes que achei que queria ver, mas sinto que não quero mais. Finjo que estava fora de mim no dia e vou limpando tudo até restarem meia dúzia deles. Com 20 ou 30 fica difícil escolher, mas com poucos títulos parece que é algo finito e possível. Deixo naquele ponto que fica tudo factível, em que uma semana parece o suficiente para zerar a lista e seguir em paz com a minha vida.
Só que a semana seguinte chega com novidades e você não tem apenas uma lista, são várias espalhadas por aí. Novas fornadas chegam e todos os serviços despejam toneladas de novos (ou recauchutados) títulos. Você não vai dar conta de tudo, você é humano (ou pelo menos acredita que é).
Você quer apenas olhar melhor uma capa ou ler a sinopse de um dos integrantes daquela lista de nome inusitado e divertido que o seu serviço de streaming criou, mas sem pedir licença rola uma cena em background. Um drone faz uma tomada aérea linda na floresta, você precisa ver isto, mas fica na dúvida. Essa dúvida gera uma criança com uma voz mansa que cutuca sua mente e te faz apertar o ‘+’ para adicionar à sua lista. Você ainda não sabe, mas essa criança se transformará logo mais num monstro gelatinoso.
Um ciclo sem fim de coisas que você nunca vai ter tempo de terminar, 1001 filmes para você morrer antes de ver.